São Paulo — Além de repórter, também sou fã de Fórmula 1 e, neste ano, fui pela primeira vez ao Grande Prêmio de São Paulo. Escolhi o setor A e o transporte público para ir aos dois primeiros dias de evento. Eu não esperava, no entanto, que perderia a corrida sprint no sábado (2/11), mesmo chegando apenas 15 minutos após a abertura dos portões.
O que aconteceu comigo se repetiu com outros milhares de fãs da modalidade. Alguns deles conversaram com o Metrópoles sobre o ocorrido.
Naquele sábado, optei por usar um dos ônibus da SPTrans destinados exclusivamente para o transporte do público da Fórmula 1. Às 7h14 da manhã, embarquei no ponto Trianon MASP, na Alameda Casa Branca, região da Avenida Paulista.
Uma hora depois, cheguei à Praça Enzo Ferrari, localizada na porta de entrada do setor A do Autódromo José Carlos Pace, o Autódromo de Interlagos. Apenas 20 minutos depois, por volta das 8h35, encontrei o final da fila, que dava voltas na quadra do autódromo e se estendia pela rua lateral, caminho para a estação de trem.
Levou aproximadamente três horas e meia para que eu conseguisse entrar no circuito, o que aconteceu às 12h. Vi a corrida sprint, marcada para às 11h, pelo celular, utilizando os dados móveis e um fone de ouvido, mesmo que fosse possível ouvir o motor dos carros através dos muros.
À minha volta, milhares de outros fãs passavam pela mesma situação. Inúmeros admiradores do esporte acompanhavam a prova pelo celular e comentavam as ultrapassagens entre si, entre reclamações sobre a demora para entrar no autódromo.
Do lado de dentro, imagens da transmissão mostravam o setor vazio.
Pouco depois que entrei, um temporal caiu sobre Interlagos. A chuva fez com que a classificação para a corrida de domingo e a homenagem ao Ayrton Senna fossem adiadas para o dia seguinte. Naquele sábado, não vi nenhum carro de Fórmula 1 na pista.
Fãs relatam longas filas e dificuldades para entrar no GP São Paulo
Alguns relatos falam em mais de quatro horas de espera até chegar nas catracas. E, quando chegavam, nem as revistas e nem mesmo a validação dos ingressos estava sendo feita. Ou seja, qualquer um poderia entrar, e portando qualquer item.
“Podia ter entrado com uma arma e ninguém teria visto”, disse a arquiteta Bianca Carvalho Podadera, de 23 anos.
O ingresso, definitivamente, não é barato, e a expectativa para o evento, que ocorre uma vez por ano, é alta. A frustração e a revolta, portanto, tomaram conta.
O engenheiro eletricista Kevin Wutzl, de 25 anos, e Bianca, são um casal de fãs de Fórmula 1. Esta foi a segunda vez que eles foram ao GP São Paulo — e a primeira no setor A.
Kevin me contou que mesmo com filas maiores no setor G, onde foram no ano passado, a entrada foi bem mais rápida, o que se deve à organização. Neste ano, o casal passou quatro horas esperando para entrar no autódromo. E, quando entraram, procuraram a organização do evento para fazer uma reclamação.
Disseram que alguém do jurídico falaria com eles, o que não aconteceu. Então, apareceu alguém do staff da Fórmula 1. “Eles foram super solícitos com a gente de conversar, mas falaram que ‘a gente não conseguia fazer nada. Infelizmente, estamos coletando as informações para repassar para a organização do evento’”, disse Kevin.
O casal foi orientado a registrar um boletim de ocorrência. Agora, eles devem procurar um advogado. Bianca diz se sentir “muito lesada”.
“Quero que eles tomem uma medida quanto aos danos que tive. Paguei o sábado e não vi, quero meu dinheiro de volta. E quero uma ação mesmo da parte deles, tô toda queimada de ter ficado no sol na fila do sábado”, desabafou a arquiteta.
O mesmo problema se repetiu em outros setores do circuito. O gerente especialista Bruno Vomero, de 34 anos, disse ter ficado três horas na fila para entrar no setor R. Ele chegou na fila às 8h55 e só entrou às 12h. Por isso, também perdeu a corrida sprint.
Esta é a terceira vez de Bruno no GP São Paulo, que assistiu à programação do setor G em 2022 e 2023. “Sempre teve filas grandes, mas não dessa forma. Nos anos anteriores, como a gente sempre chega com bastante antecedência, mesmo com fila, a gente nunca chegou a perder um evento”, disse.
Para ele, a palavra que define a experiência é “catastrófica” ou “bizarra”.
O problema com as filas parece ser novidade da edição de 2024. O técnico em radiologia Rodrigo Alves, de 23 anos, já foi seis vezes ao GP São Paulo, e esta foi a primeira vez que enfrentou uma longa demora para entrar no circuito.
“A organização sempre funcionou, as filas de alguns setores sempre foram grandes, [A e G por exemplo], mas a gente chegava cedo e não passava por problemas”, destacou.
A executiva de contas Maria Clara Castro, de 26 anos, já foi oito vezes ao GP São Paulo. Mas, em 2024, foi a primeira vez que encarou problemas com fila.
“No sábado, não havia ninguém da organização do evento orientando. Não havia placa de identificação para início da fila e etc. Muitas pessoas furando fila e descumprimento de leis de prioridade por lei. No domingo, muita confusão, brigas entre pessoas, as filas dos setores G, R e H se misturaram completamente. Não havia segurança, funcionários para orientar, grades de separação de filas entre setores, nada”, denunciou a executiva de contas.
Problemas de acessibilidade
Maria também denunciou problemas de acessibilidade no circuito, fator que fez a estudante de jornalismo Giovanna Del Corno, de 19 anos, desistir de assistir a programação de sexta-feira (1/11) e, posteriormente, da corrida de domingo (3/11).
Há um mês, a estudante deslocou a patela, o que a fez ficar com o joelho direito imobilizado. Ela diz que, quando chegou no setor A, ficou “chocada” com o tamanho da fila.
“Saímos do ônibus às 9h41 e só entramos às 11h21. E só consegui entrar porque, já com muita dor no joelho, decidi tentar entrar pela fila de deficientes. Apresentei meu laudo médico e liberaram. A sprint race já estava quase no fim, faltavam 10 voltas. Foi uma experiência tão traumática, me senti humilhada, que decidi não ir no domingo”, disse.
Ela conta que até acordou cedo para ir, mas leu nas redes sociais que não estavam respeitando o acesso para deficientes. “Fiquei com medo da confusão e de lesionar ainda mais meu joelho”, contou ao Metrópoles.
Recorde de público — e de problemas
Maria Clara disse ter sentimentos de frustração, medo e arrependimento sobre o GP São Paulo 2024.
“A impressão é que o evento está crescendo, mas as estruturas do local e a quantidade de funcionários não acompanham o crescimento. Há a mesma quantidade de banheiros que oito anos atrás, a mesma quantidade de pontos para compras de comidas e bebidas. Mas o número de público cresceu muito desde então”, destacou.
Em 2016, 128.100 pessoas compareceram ao autódromo durante os três dias.
A página da Fórmula 1 São Paulo no Instagram comemorou o recorde de público atingido em 2024 – 291.717 pessoas. Nos comentários da postagem, no entanto, os admiradores do esporte denunciam os problemas que encararam nos três dias de evento.
“Espero que mudem a organização e respeitem os fãs que esperam o ano todo para viver essa experiência. Se não mudarem, não sei se irei novamente”, disse Giovanna.
Já Bruno Vomero diz que o mínimo que espera é conseguir o dinheiro de volta ou um desconto para conseguir comprar o ingresso do ano seguinte. Além disso, ele pretende entrar com um processo na Justiça.
O que dizem os realizadores do GP São Paulo
Procuradas pelo Metrópoles, a Fórmula 1 São Paulo e a Eventim, bilheteria digital responsável pela venda de ingressos e entrada dos fãs, não se manifestaram. O espaço segue aberto para manifestação.
Já a Prefeitura de São Paulo, uma das idealizadoras do GP, informou que o acesso ao Autódromo de Interlagos é de responsabilidade da organização da Fórmula 1.
“A administração municipal reitera que coube aos organizadores do evento as mudanças nos horários do treino classificatório e da prova neste domingo em razão das fortes chuvas de ontem [2/11] na cidade”, diz trecho da nota.
Procon-SP notificou organização do GP
O diretor de fiscalização do Procon-SP, Marcelo Pagotti, revelou ao Metrópoles que a autarquia foi informada sobre um grande número de consumidores que tentavam entrar no local, na sexta-feira e no sábado, e tinham seu acesso bloqueado nas catracas, o que contribuiu para a formação de filas e atrasos.
“A organização do evento foi acionada pelos fiscais para adotar medidas visando agilizar o acesso, o que foi amenizado no domingo, dia da prova”, diz trecho da nota.
O órgão de defesa do consumidor revelou ainda que recomendará novamente às empresas que revejam seus procedimentos de gestão de acesso do público, ampliando horários, orientando e direcionando os consumidores e adotando novas tecnologias de identificação e controle de acesso – “medidas já em uso em diversos eventos aqui no Brasil, com resultados bastante positivos”, disse o órgão.
Possibilidade de reembolso
Aos consumidores que não conseguiram acessar o autódromo, o Procon-SP orienta a formalizar com as empresas das quais compraram os ingressos o pedido de ressarcimento.
“Não obtendo êxito, os consumidores podem registrar uma reclamação no site do Procon-SP; presencialmente em um dos postos de atendimento na capital, ou em uma unidade do Procon municipal da cidade em que reside”, finaliza o texto.
Para o advogado Erasmo Fonseca, especialista em direito do consumidor, houve uma prestação de serviço deficitária. “A FIA, a Eventim e a Prefeitura deveriam prever que existiria uma demanda, porque venderam os ingressos. Então, eles já saberiam que haveria uma demanda gigantesca para acessar o local das provas”, disse.
Segundo ele, por causa da deficiência da prestação de serviço, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina que deve ser feito o reembolso dos ingressos – ainda que se faça de forma partilhada: se o prejuízo ocorreu em só um dia, um terço do valor dos ingressos tem que ser devolvido.
Ingressos para o próximo ano
Como ocorre em todos os anos, os ingressos para a próxima edição do GP São Paulo começaram a ser vendidos no dia seguinte à corrida, na segunda-feira (4/11). Vendidos pela Eventim, a plataforma apresentou problemas, e muitas vendas não foram concluídas.
A jornalista Heloísa Ançanello, de 24 anos, foi uma das fãs de Fórmula 1 que tentou a pré-venda para clientes Porto Bank, que estava prevista para às 12h.
“Logo nesse horário já estava logada e consegui selecionar os ingressos, preencher as informações e seguir para o pagamento. Na hora de fechar a compra apareceu um ‘erro de conexão’ e então perdi todos os ingressos e tudo já estava esgotado”, disse.
Segundo ela, no site da Eventim, sua compra constava como “cancelada/não aprovada”, mas no extrato do cartão já constava o valor como pendente.
“No final do dia de ontem, recebemos um e-mail e SMS informando sobre o erro generalizado e que iriam nos contactar novamente para realizar a compra, para que ninguém fosse prejudicado. Hoje, o valor já foi estornado, mas ainda não tivemos nenhum direcionamento sobre a nova compra”, contou a jornalista.
A Eventim publicou uma nota no Instagram anunciando a suspensão da venda de ingressos por motivos operacionais. Segundo o texto, eles estão trabalhando para solucionar os problemas e retomar as vendas o mais rápido possível. A conta da Fórmula 1 São Paulo republicou o comunicado lamentando o ocorrido.
Na quinta-feira (7/11), está prevista a pré-venda para clientes Amex e, na segunda-feira (11/11), deve ocorrer a venda geral. O próximo GP São Paulo está marcado para os dias 7, 8 e 9 de novembro de 2025.